segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Arte e Cultura: Ministérios muito distintos - Artigo de Dora Galesso

Reforçada na contemporaneidade pelo universo cibernético e sua infinidade de compartilhamento das formas-expressões, a questão da autoria (e sua extensão à autoralidade[1]) e suas implicações, principalmente no que tange a economia, tem gerado inquietações em vários segmentos da manifestação artística, muitas vezes gerando obstáculos à divulgação/disseminação de obras importantes. Desde a valorização do autor e dos intérpretes à importância de fazer circular o produto artístico, surge a pergunta: a quem cabe arcar com tal custeio, afinal? E minha resposta não poderia ser outra: O Estado.


A total responsabilidade do Estado por essa questão não só retiraria das costas dos intérpretes essa carga absurda, como também valorizaria a produção artística (autores e intérpretes) em nível nacional e internacional. E a gratuidade para o público – que também faz a obra existir dando-lhe visibilidade. Sim, isso mesmo: arte de graça e investimento do Estado!

Em nossas políticas públicas a “arte” – no sentido das belas artes - foi absorvida e classificada prática e conceitualmente em uma categoria mais ampla, ou seja: “cultura”. A pasta das artes também foi institucionalmente estabelecida em um edifício do MEC (Ministério da Educação e Cultura) que, por sua vez, abarcara também o esporte[2]. Posteriormente, o fato de  tanto a educação quanto o esporte precisarem de um espaço próprio fez com que a cada um deles fosse destinada uma sede ministerial própria, independente. E, ainda que fisicamente separados do prédio da cultura, jamais deixaram de ser indicadores importantíssimos e parte fundamental da cultura desse país.

Ora, assim sendo, a mesma argumentação que logrou um espaço de autonomia a cada um daqueles setores serviria também para as artes e seu conjunto de distintas linguagens e elementos de articulação estética. O que, com muita justiça e vital necessidade, resultaria no Ministério das Artes, com suas secretarias e representações dos diversos momentos da expressão artística, garantindo uma forma mais equânime de destinar verbas às atividades artísticas.

É importante retomar o conceito de “cultura” como algo voltado para o modo de vida de um núcleo social e suas manifestações que reúnem práticas de diversas naturezas e que compreendem outras áreas de atuação e forma de produção identitária e econômica –  como, por exemplo, a cultura rural, dos quilombolas, indígena, negra, etc. E a gestão de um Ministério da Cultura assim iria compreender as articulações entre os demais ministérios de forma a não reduzir  especificidades e áreas de concentração a um âmbito exclusivamente seu. Isto sim seria respeitar e preservar a natureza intra e multiconceitual dos diversos setores de produção e expressão da cultura de uma sociedade, posto que, a exemplo dos nomes dos outros ministérios: trabalho é cultura, exército é cultura, planejamento é cultura, saúde é cultura e assim por diante, até chegarmos à obvia constatação de que artes  é cultura. Então, o papel deste - novo e outro - “Ministério da Cultura” estaria bem próximo do sentido de gestão e empreendedorismo, articulando os setores produtivos de diversas áreas da sociedade. E não incorrendo mais no absurdo de destinar, por exemplo, verbas que seriam para a  produção de obras artísticas à realização de festas populares de cunho religioso e outras. Exemplo este que consome por volta de 87% da receita destinada às artes.

E, no âmbito do então Ministério das Artes, haveria como o estado controlar e gerenciar eficazmente o seu capital artístico de modo a manter sua economia patrimonial em movimento e ativa[3]. Isso incluiria não só dispositivos de remuneração aos autores e intérpretes, bolsas e investimento na formação de artistas no próprio país e no exterior, aperfeiçoamento de profissionais, gratuidade dos espetáculos e produtos, mas, principalmente, o direito à circulação do produto artístico com capacidade de formar e informar o público. Para tal, o estado já tendo arcado com o direito de uso da obra, estaria desfrutando - na figura de seus profissionais: artistas por ele qualificados e credenciados - da geração de mais recursos que promoveriam a sustentabilidade de uma vida artística que elevaria a cultura e a qualidade de formação de seus indivíduos por meio de uma política pública ampla, de responsabilidade, democracia e participação.

Assim, eu volto à colocação inicial deste artigo onde, no tocante à lei e aos procedimentos que envolvem a autoria, sigo afirmando que o estado deveria pagar pelo uso da autoria e não aqueles que contribuem para que a obra seja divulgada, porque se uma obra constrói a identidade cultural de um país, a sua manutenção - através de execuções e roupagens novas - é fundamental para que essa identidade se mantenha e deve ser responsabilidade deste mesmo país cuidar do seu patrimônio artístico, valorizando-o e estimulando o seu crescimento. E não multando - ou punindo com preços altíssimos - aqueles que tentam manter essa memória ativa.


[1] O termo “autoralidade” volta-se à capacidade de co-autorar uma obra, ou seja, valer-se do que já existe como criação e acrescentar-lhe sentidos de forma a apropriar-se do bem intelectual. N.A.
[2] A esplanada dos ministérios é um bom exemplo para que possamos visualizar a importância de alguns setores que organizam e mantém a sociedade. A estrutura viva e atuante destes organismos pode ser contemplada em Brasília, numa sistematização que já faz parte da paisagem. N.A.
[3]  E sem ter de devolver milhões ao tesouro por conta do mau uso do orçamento, como fez o MINC nos anos anteriores. N.A.

Dora Galesso é formada em composição e regência pela Universidade de Brasília, pós graduada pelo Departamento de Música da mesma instituição, arranjadora e pianista, estando á frente da Orquestra de Senhoritas por 21 anos.



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